Uma responsabilidade imensa,comunicar-me com um universo desconhecido por minha personalidade tímida e pacata. espero que pacientemente me entendam.

sábado, 15 de setembro de 2007

DEPOIMENTOS DOS AMIGOS

Língua e ponta de faca.
Marco Polo Guimarães

Embora viva quase recluso em seu casarão na cidade alta de Olinda, o artista plástico pernambucano Franklin Delano de França e Silva, mais conhecido como Delano, esta atento ao que acontece no mundo e na província.
O que essa necessidade de isolamento e, ao mesmo tempo, avidez de conhecimento parecem revelar e’ uma personalidade que tudo quer saber, ver e analisar, mas com calculado distanciamento critico. O que não impede um certo envolvimento emocional.
Delano não escapa- nem o quer- ‘a revolta diante de um mundo que insiste na desigualdade social e econômica, na violência e na miséria, na mentira e na futilidade. Um mundo, a tal ponto, cínico que às vezes chega a afirmar que tudo isso faz parte do curso natural das coisas, não há o que fazer.
A aproximação cautelosa do artista, portanto, se faz com mão de pinça, em parte pela repugnância que tal matéria provoca, em parte por que assim fica mais fácil verificar criticamente os hábitos destes animais estranhos que são os donos e os vassalos do poder. Estes insetos que dançam em torno da fogueira das vaidades e dos oportunismos, em busca de celebridade e fortuna.
O mundo atual e’ uma grande superfície, na qual o olho bate e e’ refletido de volta, encandeado, tonto e cego. As pessoas substituem a falta de uma interioridade intensa por uma exterioridade exuberante. Tudo e’ corpo: regimes de emagrecimento, exercícios físicos, modelagens cirúrgicas. A matéria vale por si só e substitui qualquer outro valor. O que antes era mente sã e corpo são virou corpo são e mente opaca. Para cada neurônio atrofiado, um músculo dilatado. O que importa e’ a embalagem. O oco interior esconde-se atrás da atitude. E’ como a frase atribuída a Goebbels: uma mentira insistentemente repetida acaba se impondo como verdade.
As duas artes contemporâneas por excelência- musica e cinema- são artes de fruição coletiva e que podem ser facilmente transformadas em espetáculos. Geram sensações fortes para suprir a falta de emoções reais. Nos shows, a celebração tribal: tanto no palco quanto na platéia, braços e pernas em coreografias frenéticas, roupas coloridas, corpos seminus, projeções amplificadas, canhões de luz. Nos filmes, cenas que se sucedem em cascata vertiginosa, velocidade máxima, explosões sucessivas. O uso intensivo de artifícios para se anestesiar e não pensar. Uma sociedade não necessariamente feliz, mas alegre a qualquer custo. Tudo fast, fausto, falso.
E aqui se chega as’ armas do artista. Vejam a cena: ali esta Narciso-Narcisa, perante as vitrines- espelhos do shopping center, vendo-se belo e ou poderosa. Delano toma-o como modelo e o desenha com a unha, com o dente, com a ponta de faca no lugar do bico de pena.
O que se revela. O riso histérico por trás da maquiagem. Por trás da pose, a precariedade do ser humano. Ave Delanus! Morituri te salutant!.
Porque esta e’ a arte de delano, o desnudamento de uma época fútil e hipócrita. Arte exercida num desenho de rara precisão e expressividade. Este e’ um artista que manipula o lápis com a destreza com que o Zorro da lenda manipulava a espada, rasgando a sua marca no peito da vitima. Ironia impiedosa e sarcasmo. Ironia e sarcasmo, que, às vezes, podem vir misturados a uma quase simpatia por suas vitimas. De repente, vê-se que o rosto distorcido por trás da mascara que lhe foi arrancada. Como não lamentar tal ser tão exaurido de existência.
Esses acessos de piedade, no entanto, não são freqüentes. Na maior parte dos trabalhos as pessoas são vistas como elas mesmas se colocam na vida, em prateleiras: aqui os sarados, ali os balofos; aqui as fofas ali as feias; aqui os maravilhosos, ali os desesperados.
E’ preciso ressaltar, entretanto, que não finda ai o universo do artista. Delano não e’ somente um grande critico e um grande desenhista; e’ também um excelente pintor. Nos seus quadros a óleo, alterna a mesma critica social com assuntos diversos – Bandas de jazz,lutas de boxe, cenas de guerra, paisagens, auto retratos, mulheres nuas,- no trato dos quais salta a’ vista a habilidade na combinação das cores, o perfeito acabamento técnico, o domínio de diversos modos de pintar, atendendo sempre a’ funcionalidade do que quer exprimir. Se em suas caricaturas criticas usa a ponta da faca, em seus femininos usa a ponta da língua.
Seu domínio na construção do quadro reafirma a consciência das possibilidades geradas pela matéria pictórica. As figuras integradas organicamente com o ambiente em que são flagradas, operam uma harmonização e relativização de importância entre forma e fundo, núcleo e entorno. O quadro se enforma num todo compacto, completo, impactante.
Delano integra uma geração de artistas plásticos que valoriza, sobretudo, a imagem bidimensional bem trabalhada. Pertence a’ tradição figurativa pernambucana que vem de Vicente do Rego Monteiro e Cícero Dias, para se atualizar em artistas da nova geração com Rinaldo e Felix Farfan.
E Delano - desenhista, Aquarelista, gravador e pintor- honra como poucos essa tradição

Marco Pólo Guimarães


Delano: uma decisão
Alberto Cunha Melo

Por excesso de escrúpulos muita verdade deixou ate’ de ser pensada, muito poema deixou de ser escrito, muito quadro deixou de ser pintado. Contra esse vírus que ataca os hipocritamente delicados o desenhista Delano sempre esteve vacinado. Seus quadros não são gentis cartões de visita rodado aos milhares nas gráficas, dizendo o mesmo mentiroso cumprimento, mas cartazes de afeto e desaforo, com todos os afagos, raivas e urros acesos. São gestos absolutos em um mundo dolorosamente domado, perigosamente arquitetado a’ custa de muito estirar de língua e bananas para normas divinizadas ao tinir dos símbalos ou símbolos oficiais. Esse absolutismo necessário: “a arte sou eu”, mas do que nunca se faz necessário num mundo em que todos querem ser todos e poucos chegam a ser verdadeiramente alguém. Se esse “todos querem ser todos” representasse uma abertura fraternal para a vida, e não uma tentativa de a todos imitar a todos impossivelmente suplantar, seria uma atitude a merecer um festivo estimulo.
E’ difícil elaborar uma arte crítica (essa e’ a melhor arte de nosso tempo) sem assumir a raiva mínima capaz de nos pisar com força e “ falta de educação” as salas “ boníssima” e requintadamente silenciosas. Ou, por outra, assumir uma louca bondade, das certas, que se esbanjam de tanto existir. Apenas com verdade interior, que não e’, nem deve ser necessariamente a verdade aclamada, se pode fazer uma arte verdadeira. O artista Delano viajou, teve muitos contatos com monstruosos cosmopolitas e extremosas damas.

O que disse João Câmara:

Delano é obstinadamente figurativo na composição dos jogos dramáticos que urde para o “comportamento” de seus atores. Com isso paga o preço de criar uma obra dolorosa para si mesmo, alem de se expor ao ruído da rua e ser chamado de literário, discursivo ou sentimental. Por sorte, no entanto, mas não por acaso, ele não liga para isso. Vem fazendo sua obra há quase 20 anos
(1985) de maneira discreta e até escondida, estoicamente, incorporando a discussão das imagens “ de fora” ao seu próprio corpo de atores.
A arte de Delano e’ um teatro. Que tipo de teatro e’ esse, afinal. ( meu teclado não responde ao ponto de interrogação) Possivelmente um Teatro da Vida, feito por um pintor que não tem compromisso com a “carreira” e que não sofre as pressões da critica para fazer uma obra viabilizada no “circuito”. Vivendo em Olinda e respirando tranqüilo o ar da província interessa-lhe mais o desdobramento do seu trabalho num ritmo de tempo natural.
Neste teatro, apesar das mascaras e dos costumes, do esgar do autor, da dança dos pares ou do acido do pintor, a musica de fundo é a melancolia, a mesma melancolia dos fins de tarde numa Olinda velha e encastelada como a ilha de Morel, em queFaustine e seu séqüito, ao avesso da fabula de Bioy Casares, envelhecem e morrem.

O que disse o Pintor Jose Cláudio:

O tamanho da obra de um artista se mede pelo mundo que inspira, pelo rio que forma. É como uma língua, mas cada qual tem seu timbre de voz; há de parte a parte um mundo imenso a ser revelado. Esse mundo, em Delano, se descortina em toda a sua independência e máscula originalidade, no seu sentimento e sensualidade, num “blue”, uma atmosfera, uma melancolia tipicamente delaniana, personalíssima e rara. É até impróprio falar de Delano. Delano é um artista diante de quem devíamos ficar calados para não perturbar o sazonamento dos frutos de seu silencio. Nada nele é gratuito. Há algum tempo vi um quadro seu, um auto-retrato com uma explosão ao fundo: será um universo que se esboroou com a chegada de seu filho Vicente( interrogação) Delano sabe que não adianta se atirar a imagens, que o suco está muito no âmago do seu ser e continua fiel a ele mesmo, com grande dignidade.

João Câmara novamente.


Não pensei ser difícil fazer uma apresentação do trabalho de Delano porque conheço toda sua produção, mesmo aquela de sua formação, croquis e pinturas de em torno de 1962. Poderia me aventurar a falar das pinturas que não fez pois há sempre um claro propósito em deixar de fazer uma pintura - o que não acontece sempre quando se quer fazer uma pintura- digo isto tudo porque importa ver claro as opções do artista mais que seus resultados diretos ou imediatos quando é o caso de um artista que busca não uma escola ou um movimento mas a curiosidade em face desta dualidade; de um lado a esfera do Eu e do outro o plano virgem da tela ou do papel.
Deixarei de lado também todo este critiques porque é justamente a proximidade com a sua obra que invalida o palavrório, entendendo-se não me esquivo a apresenta-lo mas gostaria que, como se diz... o espectador, o publico, enfim tivesse também a compreensão tácita de seu trabalho como eu tenho...( poderia lembrar a anedota dos dois amigos que se entendia tão bem que nunca precisavam terminar frases para, nem mesmo precisavam iniciar).
Assim... ao espectador e respeitável publico, este roteiro silencioso mas não isento de surpresas que pode ser a exposição de Delano. Exposição que pode ser maior do que é; sem nenhum cansaço, que o desenho de Delano se desenovela de quadro a quadro,um só traço emfim que pode se condensar num pastel ou adiante enlarguecer no gesto de uma pintura ou se esfumar nas cinzas de uma lito.
1) Estas técnicas... coisas que interessam mais a alma do pintor que o fraseológico de espírito. Pintar, gravar, desenhar, nunca deixou ninguém rouco nem falto de veemência.
2) Gostamos de lembrar a frase do pintor americano; “Em caso de duvida use púrpura”. Enfim, uma opção máscula em vez da manuntenção de um discurso e de um tédio ou de um spleen. Assim pode-se encontrar num ou noutro quadro de Delano um toque de não conformidade em sua estrutura. Esta coisa que o consumidor de exposições inadvertidamente pode diagnosticar como desarmonia é não resta duvida, a púrpura da questão e esta é uma das melhores coisas na exposição de Delano e não um defeito, fiquem sabendo os senhores, principalmente os senhores que gostam de arrumar os quadros como pelotões de ordem unida.
3) Em todo caso, nenhum esquema montado: ‘a figura grotesca não corresponde o acido na alma do artista- tenho visto artistas mordazes extremamente cristãos – e embora não seja o caso de situar a piedade do artista exatamente como um dado técnico eis o miserere de Delano em relação a seus modelos imaginários e já se sabe bem... prototípicos.
4) Prototípico... já em si um belo nome para um modelo grotesco.
5) Se Delano, não esta interessado em contestar, contudo não o vejo de acordo e o vejo com memória acesa para as pinturas mais de seu agrado – Goia, Ribera alguns outros sádicos piedosos- o ato de aproximar-se de algumas morbezas em suma não é um ato de coragem, por acaso, numa época em que há flores, é certo, mas cheiram mal.
6) O caso de Goya, seu exemplo, pode ser didático e cruel; a constância da beleza compatível com os Caprichos e os Desastres mas não de um modo antonímico; visinhos e conhecidos, até apresentados. Aí o realismo
7) Estas mulheres que Delano gosta de pintar, Eu disse gosta de pintar, e vai ai a intenção não de propor uma coquete forma de eterno feminino mas de deleitar a sua técnica com seu modelo. Terríveis ou simplesmente bonitas, rigorosamente sensuais no sentido estrito, ou feias mas, por uma questão de deleite técnico, jamais incógnitas ou desinteressante.
8) Por ultimo, o fato do gesto ou substancia. Tem importância para o trabalho de Delano o espaço do papel para o gesto gráfico. Fazer caminhos de tinta, propriamente os labirintos de uma figura, esta uma maneira de viajar tão boa quanto qualquer outra.
9) Não há porta para fechar, À saída.


Olinda 1974.


O Poeta Jaci Bezerra

Assim, quero falar sobre o que vi, mas não encontro olhos nem palavras. Para meu consolo uma voz interior me diz que o mundo que meus olhos viram não deve, verdadeiramente. Cada um que veja. Cada um que sinta. E conclua, depois, que não existe trena para medir os encantos e as danações do mundo pelos olhos visitado. O universo de Delano, creio, possui múltiplas e variadas portas. Inúteis, pois, as tentativas de capturar ou medir as cores e as sombras que os olhos viram e deixaram escapulir para a lembrança. As cores e as sombras e as figuras amorosamente conquistadas. E a duradoura impressão, sim, diante do visto e do revisto, que esse mundo ficara ajustado no tempo como um depoimento de nossa época.
Tomar conhecimento da certeza, nem sempre bem alicerçada, de que as cores e as sombras, a pintura e o desenho, tem um significado interior mais forte e denso do que aquele rascunhado nas nossas impressões. A convicção, ainda, de que os espaços destinados à criação foram plenamente preenchidos. Isso sem perder a perspectiva de que outros espaços nascerão, também para serem preenchidos, para adquirirem uma existência pessoal, para fincarem alicerces novos no mundo. E nos olhos cabe revelar as formas e mostrar, como realmente mostram, a quem as conheceu e as admirou, no passado, como o mundo criado por Delano adquiriu um relevo novo, e nitidez das coisas amorosamente construídas.
Em que tempo, indagaríamos então aos nossos olhos, as figuras, as sombras e as cores desabrocharam nesse espaço.(falta o sinal de interrogação) Possivelmente não obteremos resposta. Aqui os tempos e as fases estão unidos. E as portas, cuidadosamente descerradas, revelam que o caminho de Delano tem sido um só: o do artista que se busca e se alcança, a cada traço, a cada cor, a cada quadro elaborado e concluído.

Recife – 1974


Outra de Jose Cláudio

Viagem adiada mas que tem de ser feita mais cedo
ou mais tarde, de uma maneira ou de outra, é uma descida aos infernos. Por que não faze-la implica em perenizar uma crise, morrer antes de ter sido. É uma viagem muito louca, secreta e emocionante, principalmente pela gratuidade, contra e a favor ao mesmo tempo de todos e ninguém, ansioso de modo idêntico por tudo ou nada, como quem promovesse a explosão do seu próprio OVO COSMICO e partisse por todos os caminhos para espiar da beira do Universo.
Que pode ser aqui, como em todos outros pontos menos aqui, e é por isso que o artista não pode deixar gleba sem ser vista e repassada, visitada de surpresa apesar de mil vezes conhecida, criador e vitima do seu olhar que cria. Na infinita constelação de seus mestres, Delano se sente na obrigação de confessar todas as dívidas, adquirindo assim a sua própria mestria. Bastam-lhe poucos quadros para viver experiências extenuantes. Drástico, impulsivo, mesmos nos pasteis mais amaciados trabalha com limite que exigem intervenção mais extrema do que a aconselhada a João Câmara pelo pintor americano: “em caso de duvida use púrpura”, que ali a púrpura é usada para os meios tons.
Estes pasteis apesar de demonstrarem um lado de ingenuidade, de boa fé de Delano, como se ele quisesse provar, a si próprio mais do que aos outros, a capacidade de detalhar direitinho uma figura, banha-la com a luz ambiente, tornam-se ao invés num delicioso deboche, dosado com um que de nostalgia acadêmica, coisa que, nele se constitui numa desenvoltura total.
Extensa e intensa, a exposição demonstra o trabalho constante, a capacidade de explorar os meios, seja aquarela, litografia, lápis, com grande propriedade, e, a percorrer toda a mostra, a segurança do desenho que é a terra firme de sua fantasia.
Resta agradecer a Macira ( mulher de Delano ) as generosas maçãs, a tornarem ainda mais simpático o Museu de Arte Contemporânea, cuidado por Mary Gondim
Olinda- 1974

Frederico Morais - da Exposição Cinco Pernambucanos - Galeria de Arte IBEU - RJ - 1986

"Nesta exposição quem melhor expõe esta faceta da pintura pernambucana é Delano. O tratamento ao mesmo tempo crítico e irônico dado ao tema da família padrão, não minimiza estas características. Esta família, como está no título, não é pior nem melhor que as outras: repressão da libido, a ascenção e o declínio social e econômico, a influência dos modismos culturais, a erosão do tempo, os conflitos e a luta pelo poder. Tudo isto é mostrado com um simples deslocamento dos personagens, dos filhos especialmente, na composição do retrato familiar, na indumentária ou com introdução de certos objetos, como o retrato na parede."

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